ASPECTOS DO PROBLEMA INDÍGENA• JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1926


 ASPECTOS DO PROBLEMA INDÍGENA• JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1926)

Recentemente, Dora Mayer de Zulen, cuja inteligência e caráter ainda não são suficientemente apreciados e admirados, fez, com a honestidade e moderação que a distinguem, um balanço do interessante e meritório experimento que foi a Associação Pro-Indígena2. A utilidade desse experimento é plenamente demonstrada pela própria Dora Mayer, que, em comunhão e solidariedade hábeis com o generoso espírito precursor de Pedro S. Zulen, foi sua heroica e obstinada promotora. A Pro-Indígena serviu para fornecer uma série de testemunhos fundamentais sobre o processo do gamonalismo, determinando e esclarecendo suas tremendas e impunes responsabilidades: Serviu para promover no Peru costeiro um movimento pró-indígena, que prenunciou a atitude das gerações posteriores. E, acima de tudo, serviu para acender uma esperança na escuridão andina, despertando a adormecida consciência indígena.

Mas, como a própria Dora Mayer reconhece com sua habitual sinceridade, este experimento foi mais ou menos cumprido: deu todos, ou quase todos, os frutos que poderia dar. Demonstrou que o problema indígena não pode encontrar sua solução em uma fórmula abstratamente humanitária, em um movimento meramente filantrópico. Nesse sentido, como já mencionei antes, a Pro-Indígena é de certa forma um experimento negativo, pois teve como resultado principal o registro ou a constatação da insensibilidade moral das gerações passadas.

Esse experimento cancelou definitivamente a esperança ou, melhor, a utopia de que a solução do problema indígena seja possível através de uma reação da classe necessariamente alinhada com o gamonalismo. O Patronato de la Raza, instituído pelo Estado, está aí para testemunhar isso com sua presença estéril.

A solução do problema indígena deve ser uma solução social. Seus realizadores devem ser os próprios indígenas. Esse conceito nos leva a ver, por exemplo, nas reuniões dos congressos indígenas, um fato histórico. Os congressos indígenas, prejudicados nos últimos dois anos pelo burocratismo, ainda não representam um programa, mas suas primeiras reuniões apontaram um caminho para conectar os indígenas de diferentes regiões. Os indígenas ainda carecem de conexão nacional. Suas queixas sempre foram regionais. Isso contribuiu em grande parte para sua opressão. Um povo de quatro milhões de homens, consciente de seu número, nunca desiste de seu futuro. Os mesmos quatro milhões de homens, enquanto forem apenas uma massa não organizada, uma multidão dispersa, serão incapazes de traçar um rumo histórico3.

Na avaliação do novo aspecto do problema indígena que está se delineando com as reivindicações hesitantes e confusas, mas cada vez mais extensas e concretas, feitas pelos próprios indígenas, Dora Mayer concorda substancialmente comigo, quando escreve que "já era hora de a própria raça assumir sua própria defesa, pois nunca será salvo aquele que for incapaz de agir pessoalmente em sua salvação". E na própria apreciação do valor da Pro-Indígena, ela também aceita meu ponto de vista principal, ao observar que "em termos práticos e concretos, a Associação Pro-Indígena significa para os historiadores o que Mariátegui representa: um experimento de resgate da raça indígena atrasada e escravizada por meio de um órgão protetor estranho a ela, que gratuitamente e por meios legais procurou agir como seu advogado perante as autoridades do Estado"4.

Não é mais hora de considerar a tentativa do método assim definido. Outros caminhos são necessários. E isso não é afirmado apenas pelos conceitos, mas pelos fatos que agora requerem nossa atenção. As reivindicações indígenas, o movimento indígena, que até dois anos atrás teve um animador extraordinário em um índio obscuro, Ezequiel Urviola, rejeitam a fórmula humanitária e filantrópica. Valcárcel escreve: "Pró-índio, Patronato, sempre o gesto do senhor para o escravo, sempre o ar protetor no semblante de quem domina há cinco séculos. Nunca o gesto severo da justiça, nunca a palavra de justiça, nunca a palavra viril do homem honesto, os trovões da indignação bíblica nunca ressoaram. Nem os poucos apóstolos que nasceram na terra do Peru pronunciaram a palavra sagrada regeneradora. A vida passa e as gerações passam em espasmos femininos de compaixão e piedade pelo pobre índio oprimido. Não há uma alma viril que grite duramente ao índio a palavra salvadora. Que a literatura lacrimosa dos indigenistas acabe de uma vez por todas. O camponês dos Andes despreza as palavras de consolo".

Portanto, o problema indígena não pode mais ser considerado hoje com o mesmo critério de poucos anos atrás. A história parece estar avançando rapidamente em nosso país, como no resto do mundo, nos últimos dois lustros. Muitas concepções, boas e válidas até ontem, agora não servem para quase nada. Toda a questão está sendo colocada em termos radicalmente novos, desde o dia em que a palavra reivindicação passou a ocupar o primeiro lugar em seu debate.

NOTAS:

Publicado em Mundial, Lima, 17 de dezembro de 1926.
1 Refere-se ao artigo "O que a Pro-Indígena significou", publicado em Amauta, Ano 1, Número 1, p. 22, Lima, setembro de 1926 (Nota do Editor).

2 J.C.M. alude a este artigo ao comentar o aparecimento do Grupo Resurgimiento em Cuzco: leia "A nova cruzada pró-indígena", em Ideologia e Política, págs. 165, Volume 13, da primeira série Popular (Nota do Editor).

3 Este parágrafo está transcrito, com pequenas modificações, em 7 Ensayos, "O Problema do Índio, Sumária revisão histórica", pág. 49, Volume 2, da primeira série Popular (Nota do Editor).

4 Na nota 5 de "O Problema do Índio. Sua nova formulação", 7 Ensayos, pág. 41, Volume 2, da primeira série Popular (Nota do Editor).






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