Comunistas conquistaram a liberdade religiosa no Brasil

 Pelo fim da intolerância religiosa




Texto original da Câmara de Deputados


O então deputado do Partido Comunista pelo estado de São Paulo, Jorge Amado, foi autor da (emenda 3.218) que inseriu na Constituição de 1946, o §7° do art. 141 da Constituição de 1946.


Jorge Amado foi um parlamentar atuante: os anais do Congresso registram que apresentou 15 emendas ao Projeto de Constituição, dentre as quais se destacam a isenção de tributos para importação de papel para publicação de livros e jornais (emenda 2.850); a não obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas (emenda 3.062); a supressão da censura prévia para a publicação de livros e periódicos (emenda 3.064); a liberdade de culto religioso (emenda 3.218) e a eliminação do dispositivo que facultava apenas a brasileiros natos o exercício das profissões liberais (emenda 3.355).


No seu livro de memórias Navegação de Cabotagem, deixou registrado:


"Se de algo me envaideço quando penso nos dois anos que perdi no Parlamento é da emenda que apresentei ao Projeto de Constituição (...) emenda que, vitoriosa, mantida até hoje, veio garantir a liberdade de crença no Brasil".


Frequentador dos cultos religiosos africanos desde jovem, e acostumado a vê-los tratados sob o açoite da polícia, esse era um tema sensível ao jovem deputado. (Embora a República já houvesse garantido o Estado laico, no Brasil de então, qualquer culto religioso diferente do católico romano – ainda que cristão –, era assunto de polícia). Contudo, foi uma luta para a qual o autor não pôde contar com os colegas de partido comunista, para quem religião era "o ópio do povo", "desvio pequeno-burguês".


"De comunista apenas eu, mais fácil fazê-la tramitar como projeto de intelectual conhecido, ligado às seitas afro-brasileiras, bem-visto apesar de comuna. Fosse da bancada a emenda nasceria morta".


A emenda foi negociada com parlamentares de outras legendas pelo próprio Jorge Amado, que conta em suas memórias ter procurado primeiro Luiz Viana Filho, "baiano e escritor, autor de livro sobre O Negro no Brasil, deputado pela UDN", em seguida o sociólogo pernambucano Gilberto Freire, a quem teria seduzido com o argumento de que "os xangôs do Recife vão poder dançar em paz", para em seguida percorrer o plenário, conquistar assinaturas nas bancadas da UDN e do PSD – Otávio Mangabeira, Milton Campos, Cirilo Júnior, Prado Kelly –, de espectros ideológicos tão distintos do seu PCB, cujos integrantes recusaram-se a assiná-la.


Aprovada, a emenda converteu-se no art. 141, §7° da Constituição de 1946.


"Essa a minha contribuição para a Constituição Democrática de 1946. Transformada em artigo de lei (sic) a emenda funcionou, a perseguição aos protestantes, a violação de seus templos, das tendas espíritas, a violência contra o candomblé e a umbanda tornaram-se coisas do passado. Para algo serviu minha eleição, a pena de cadeia que cumpri no Palácio Tiradentes (...)".


Reterei, das redes sociais, o texto do professor da PUC/RJ, Adriano Pillati que traz um bom resumo dos preocupantes acontecimentos ocorridos nos últimos dias no estado do Rio de Janeiro e na Bahia:


“Em menos de duas semanas, duas agressões bárbaras. Primeiro em Salvador, com uma eminente babalorixá de 90 anos sendo insultada e ameaçada noite adentro por uma turba de fanáticos (e mercenários) neopentecostais aglomerados em frente a sua Casa. Ao amanhecer, a idosa enfartou e morreu. 


Anteontem, mais um caso no Rio, uma criança de 11 anos apedrejada ao sair de uma Casa de Candomblé por dois fanáticos (ou mercenário$) neopentecostais. Agora está com medo de sair de casa.


Estão "criminalizando" até as roupas brancas no Rio: sair de branco às sextas-feiras pode acarretar ferimentos ou o pior em certas regiões da cidade e da Baixada. Canalhas insultam e agridem "em nome de Deus". Delinquentes depredam templos e destroem objetos de culto, instrumentos musicais, vasos de flores "em nome da Verdade". O Estado Islâmico é aqui, já está entre nós, a jihad é neopentecostal. Perversos mercadores da fé são agraciados com concessões de rádio e TV e renúncias ficais para veicularem seus lucrativos discursos de ódio. E o Povo de Santo volta a ser submetido a uma violência e a uma repressão, privadas, como há muito não se via.


Isso vem acontecendo há anos. 


Na PUC-Rio, entre 2010 e 2011 tentamos colaborar com a resistência, realizando primeiro, por solicitação das comunidades, o mapeamento das Casas Religiosas de Matriz Africana em situação de risco e, depois, elaborando uma Cartilha para "legalizar" essas Casas, ou seja, assegurar toda a proteção legal a que têm direito. Mas é pouco. E o Estado?


Não tenho dúvida de que o Povo de Santo saberá resistir. Devotos do Candomblé e da Umbanda resistiram aos senhores, aos feitores, à Guarda Real Portuguesa, ao clero, às polícias, aos fanáticos de outras confissões durante séculos. Mas enquanto isso, corpos ficarão pelo caminho, devotos de uma cultura de paz e beleza serão humilhados, agredidos, torturados, crianças serão traumatizadas.


É no "Estado Democrático de Direito" que o Candomblé e a Umbanda estão a enfrentar uma "guerra santa" sem quartel, uma onda de desrespeito ("intolerância" é um termo ambíguo) que não cessa. O Ministério Público e as outras polícias, as defensorias públicas, o ministério das Comunicações, as OABs, a "sociedade civil", enfim, precisam entrar firme nessa briga, em defesa da liberdade religiosa e do respeito aos direitos civis dos devotos das religiões de matriz africana. Toda omissão será conivência, cumplicidade, vergonha. Axé.”


Postar um comentário

0 Comentários